Pelo fim daquele “jeitinho”
Pelo fim daquele “jeitinho”
Uma reflexão sobre o maior escândalo de fraude nas admissões universitárias já registrado nos Estados Unidos
É com tristeza que escrevo sobre uma prática bastante conhecida, mas que nos dias de hoje já não deveria mais fazer parte da vida das pessoas – a do jeitinho. Veja bem, jeitinho é modo de dizer. O exemplo que trago aqui é o de um “jeitão”, dado à base de muito dinheiro, para que alunos economicamente privilegiados fossem beneficiados com vagas em universidades americanas.
Uma operação, realizada pelo FBI em seis estados norte-americanos, resultou na descoberta do maior escândalo de fraude nas admissões universitárias já registrado nos Estados Unidos. Desde 2011, mais de US$ 25 milhões (US$ 95,3 milhões, pelo câmbio atual) foram pagos para que os filhos de ricos privilegiados, como celebridades de Hollywood, fossem aceitos em universidades como Georgetown, Yale e Stanford, entre outras.
É perturbador pensar que ainda nos dias de hoje esse tipo de prática possa acontecer. Não vou me alongar sobre a questão da justiça sobre aqueles que ficaram de fora de uma importante universidade, mesmo sendo capacitados para estarem lá, por conta de uma vaga comprada para o filho de alguma estrela de cinema. Não pretendo me estender muito sobre questões de ética e caráter, porque seria cair o obvio. Vou me apegar a esse caso para analisar consequências, tanto as psicológicas, quanto as práticas.
Segundo analisa Janaína Siqueira Rodrigues Martins, doutora pela UFJF, diretora pedagógica e professora da Pós-Graduação em Terapia Cognitivo-Comportamental, e psicóloga clínica da Ágape, esse fato demonstra a necessidade que as pessoas têm em demonstrar poder. Ou seja, ao ter dinheiro, elas comprovam que leis e regras nada significam. Tudo pode ser comprado, inclusive o lugar de quem se esforçou ou mereceu estar ali.
O dinheiro muitas vezes é sinônimo de poder. Porém, não é sinônimo de capacidade ou de talento. Se algumas pessoas acreditam que o dinheiro compra qualquer coisa e que tudo tem seu preço, por outro lado, valores, inteligência, aptidão e habilidade não são artigos à venda. Janaína afirma que o resultado dessa equação se chama frustração. Ela acredita que a chancela de uma renomada universidade, por exemplo, pode suprir uma lacuna daquela celebridade que tem dinheiro, mas que sabe não ter talento ou que não se sente completa.
Seria ingênuo da minha parte fazer o trocadilho sobre o “pobre pai rico”, que pensa estar fazendo um bem a seu filho, quando apenas está reforçando as suas piores características ao comprar uma vaga para ele na universidade? O “pobre pai rico” que paga para ter as suas próprias frustrações resolvidas, expondo seu filho à comparação obvia no dia a dia do convívio com pessoas realmente preparadas para estarem disfrutando daquele espaço de conhecimento?
Ou ainda, seria ingênuo da minha parte pensar que o próprio filho dessa celebridade vai sofrer ao conviver com essa frustração, de se saber menos que os demais ao seu redor? Como será ter a consciência do “eu não tenho valor, eu sou inaceitável, eu sou incompetente, mas me imponho pelo dinheiro – que nem é meu, que nem fui eu que ganhei”?
Será que a fixação pelo poder e a validação desse poder pela possibilidade de se comprar um diploma resolvem essa frustração, tanto desses pais quanto desses filhos?
Além das consequências psicológicas, esse tipo de fraude traz questões práticas que transcendem as fronteiras daquele país e atingem todos aqueles que um dia sonham em estar em uma universidade de renome internacional.
É sabido sobre a qualidade do ensino das universidades citadas, além da visibilidade que os profissionais que as frequentam ganham no mercado de trabalho. Sendo assim, também é bastante conhecido o grau de dificuldade de se ingressar nessas instituições de ensino.
Hoje, assim como no Brasil existem os cursos preparatórios pré-vestibulares, nos Estados Unidos (e também aqui no Brasil), cada vez mais é comum, reconhecida e aceita a figura do consultor, que orienta os candidatos sobre a melhor forma de se apresentar e de concorrer às tão disputadas vagas. Eu trabalho com a preparação de jovens que vão prestar o MBA há quase 10 anos e vejo o quanto trabalham e se preparam por anos para isso.
Fato é que quando esse tipo de fraude é descoberto e exposto, toda a estrutura em torno do processo de admissão de novos alunos é colocada em cheque, prejudicando de certa forma, o planejamento daqueles que tentam se preparar da melhor maneira para esse desafio.
É importante ressaltar que existem profissionais sérios prestando esse serviço de consultoria para candidatos às vagas nessas universidades e que, além de buscar informação sobre esse serviço, é fundamental que se saiba exatamente qual a proposta desse apoio para que as expectativas criadas em torno desse trabalho sejam adequadas.
Ricardo Betti, um dos fundadores da AIGAC, conta que no caso específico dos cursos de graduação, que envolvem jovens na faixa de 17 a 20 anos, a competição por uma vaga nas escolas norte-americanas de renome é acirradíssima e que, em alguns casos, apenas 1 a 2% dos candidatos são aprovados, ou seja, em proporções muito menores do que os cursos de MBA.
Esse funil estreitíssimo, combinado com a percepção generalizada de que estudar nessas instituições é o passaporte para o sucesso profissional, acabou por estimular o aparecimento de fraudadores ao longo do caminho, mas nada comparado a esse escândalo. O que o faz ironizar o início da Declaração Universal dos Direitos do Homem: “All men were created equal, but some men are more equal than others” (todos os homens nascem iguais, mas alguns são mais iguais do que outros).
Quando percebemos que o chamado “jeitinho” se globalizou e deixou de ser uma prática antiga e ultrapassada do brasileiro, percebemos que é preciso mudar. Seremos nós, as próximas gerações, que faremos da prática do “jeitinho” cada vez mais uma exceção. De que forma? Investindo em nossa capacitação, buscando caminhos éticos para alcançarmos nossas metas, apoiando cada vez mais as instituições e profissionais sérios, que atuam pautados na transparência e não esmorecendo ao nos depararmos com pontos fora da curva, como esse terrível escândalo.
*Fernanda Lopes de Macedo Thees fundou a Loite em 2007, onde trabalha com desenvolvimento de profissionais principalmente através do Coaching e MBA Prep. Mora em São Paulo, mas adora viajar, seja para Juiz de Fora para ver a família e amigos, ou pelo mundo